Muitos
nos dizem e dizemos para os outros, “seja você mesmo”. Ou mesmo nos
cobramos, preciso ser eu mesmo. Mas que “eu” é esse. Quem é esse “eu”
que devemos ser ou descobrir?
Na afirmação de que devemos ser nós
mesmos, há uma ideia implícita de que não devemos nos deixar levar pelo
mundo, pelas opiniões alheias e muitas forças sociais que nos reprimem e
mesmo nos oprimem. E que precisamos encontrar um eu em nós, um eu que
deve ser buscado para que sejamos felizes, aceitando-o e vivendo-o
plenamente. Esse “eu”, muitos acreditam estar numa interioridade que
ainda não conhece, num lugar que precisa alcançar.
A questão principal aqui é que se eu
acredito que o “eu” que estou buscando está numa interioridade
desconhecida e que quando encontrá-lo serei feliz, estou apenas
projetando no autoconhecimento a busca que reproduzo incessantemente na
vida pela felicidade numa exterioridade desconhecida e aparentemente
inalcançável. Caímos na armadilha de deixarmos de sermos nós mesmos, na
própria busca por sermos nós mesmos. E isso gera mais divisão e
ansiedade.
O eu que devemos buscar conhecer e
aceitar é o mais trivial, o mais cotidiano e mais simples de todos. O
que se manifesta nos nossos relacionamentos, nas nossas ações, nos
nossos gostos diários, na nossa voz, na nossa fala, no jeito como nosso
corpo se coloca no mundo e reage a ele. É exatamente o eu que tentamos
fugir, porque não nos agrada e tentamos encobri-lo com a ideia de um eu
mais profundo, único e diferenciado. Quando não nos aceitamos de fato,
ansiamos ainda mais ser diferentes e buscar nos diferenciar a qualquer
custo. Mas para descobrirmos o que temos de diferente, precisamos
reconhecer tudo o que somos de iguais.
Todos nós sofremos por razões grandiosas
e minúsculas. Tropeçamos diversas vezes na mesma pedra no caminho.
Choramos de alegria e podemos rir das tristezas passadas. Isso é o que
nos constitui. Um corpo físico composto de forças que se completam umas
com as outras para formar uma unidade coerente, assim como um corpo
sutil, uma mente, formada de forças e impulsos que nos compõem pessoas
inteiras. Inteireza de corpo e de mente, mas não confunda inteireza com
fixidez. Somos uma unidade sempre mutante tanto quanto toda a natureza
ao nosso redor. Essas forças mentais e físicas que nos constituem são
nossos desejos de aproximação e afastamento, medos, raiva, alegria,
tristeza, sexualidade, que se manifestam nas coisas menores que fazemos e
pensamos no dia-a-dia e nos nossos sonhos de realização mais
grandiosos. Esse eu que precisamos olhar e aceitar. Não sabemos o grau
de liberdade que temos em relação às nossa ações, é algo impossível de
se medir, mas temos sempre a liberdade de integrar todas as ações que
fizemos, o que fomos e o que nos tornamos dia-a-dia em cada encontro, em
cada falta.
Aceitar que sentimos raiva, que nos
entristecemos que muitas vezes desejamos mal ao outro, que somos
ambiciosos, o quanto somos egoístas em nossas tristezas e solidão, que
sentimos saudades desconhecidas. A nossa saudade não é de um eu
distante, mas uma saudade de estar próximo de nós mesmos. Saudade de
estar inteiro em si mesmo, aliviado da culpa, do medo e da insegurança
de precisar ser amado pelo outro a todo momento para se aceitar. É esse
eu que buscamos, um eu que seja aceito. Não necessariamente pelo outro,
aceitável para nós mesmos. É esse eu que precisamos aceitar para ser,
para sermos … plenos. E a partir dessa plenitude podemos, com mais
clareza pessoal pois com menos fugas, saber o que desejamos mudar e o
quanto conseguimos mudar em nós mesmo e no mundo.
Não se aprende a amar sem estar inteiro
em si mesmo, sem descobrir essa força que é ser uma pessoa única. Tão
igual a todos os outros e tão único. Mas para isso é preciso enfrentar
todos os monstros face à face. Diante da verdade sobre nós mesmos,
estremecemos. Pegue o tema da morte. Todos nós morreremos um dia, é uma
verdade, mas temos pavor em lidar com essa realidade. Como essa, várias
outras menores nos amedrontam. Mas não há como descobrir a nossa força
sem passar pelo medo, sem conhecer a nossa fraqueza. É exatamente nela
que descobrimos um diamante raro, uma dor, uma pureza, uma sensibilidade
que se abre para o mundo qual uma flor de lótus para embelezá-lo de uma
maneira sem igual.
Ser você mesmo é um desabrochar e estar
aberto para as constantes transformações da Vida e descobrir-se Vida. E
do que precisa a flor para desabrochar? Da sua própria natureza, que em
si mesmo é verdade, espontaneidade e amor. A arte do autoconhecimento é
reconhecer tanto a beleza da flor, quanto a magia do florescimento.